segunda-feira, 9 de junho de 2008

Prazeres Mundanos

(conto especulativo sobre o vizinho da Thabita)


Ele não era daqueles jovens novatos que só conseguem pensar com uma cabeça de cada vez. Já havia atingido aquele maduro equilíbrio hormonal a que chamam de meia idade. Sabia ver, ainda que ela insistisse com sinais contrários, que não chegara ainda o momento de dar o bote. Ela certamente se maravilhara com a erudição despretensiosa de sua conversa, postando-se quase como uma disposta aluna, cuja admiração já cria um ilusório ensejo para uma noite de sexo, ao qual sucumbiria imediatamente o novato. Pelo contrário, Antenor Cohen administrava a situação, contendo o instinto sexual mais voraz, mantendo a postura loquaz que fascinava seu interlocutor; percebia nos olhos da menina que era uma armadilha. Tentadora armadilha, sem dúvida. Se mostrasse suas garras naquela noite – não dispondo de suas tradicionais estratagemas: seu vinho predileto, meia-luz e Piaf –, a pressa estragaria a oportunidade que o destino lhe colocara na frente. Antenor sabia que Ana não daria na primeira noite, ainda que tivesse cativando-a com aqueles papos de tropicalismo. Certamente ninguém sabia o que faziam Torquato e Capinam antes do movimento, de modo que ele conseguia romancear seus conhecimentos naquela mesa de bar e tornar-se mais sedutor que um encarte ou um livro de capa dura.

Ana sentava com os dois pés apoiados no ferro que sustenta a mesa de latão, deixando os joelhos mais levantados e apoiando um cotovelo em cada um. A cabeça ficava, então, suportada pelas duas palmas das mãos, com o olhar para cima, numa pose infantil. Antenor tinha certeza que a iniciativa afobada seria fatal: tinha o faro do predador, sabendo que a caça lhe escapa se o atraque é imperfeito. Sua intuição distinguia claramente dois tipos de mulher: as que querem sexo e as que sabem disfarçar que querem sexo. Ana era do segundo tipo, o que significava que sua noite de sexo seria fatalmente adiada. Seu equilíbrio hormonal lhe garantia a paciência de alguns dias. Ana tinha os cabelos curtos, lisos e penteados, que balançavam com energia. Seus seios, ocultos por uma fina blusa branca, sabiam dar sinais de sua sensualidade, dando um volume e uma forma magníficos ao corpo da garota. Eram duas saliências perfeitas, que ganhavam um destaque especial graças à pose em que estava. A blusa permitia que, com alguma atenção, se vislumbrasse o contorno do sutiã. Sua boca dava constantes sinais de voluptuosa provocação, com uma língua que teimava em não se aquietar em seu lugar. Vez que outra, quando a Antenor falava por um longo tempo, ela mordiscava os lábios. Lasciva. Antenor sabia como seria fatal se se desconcentrasse de seu discurso naqueles momentos, escancarando sua fascinação embasbacada pelo corpo vibrante da jovem, como um garanhão atarantado pela presença da fêmea. Era exatamente o momento em que mostrava – exatamente não demonstrando – seu maduro autocontrole. Isso não o impedia de, por momentos, repousar o olhar naquele perfeito par de seios, contemplando-os.

Ana pôs-se a falar de sua devoção ao “Tropicália” de Caetano, tomando a palavra por um longo tempo e falando com uma entrega emocional que atiçava o ouvinte. Sexualmente falando, lógico. Era uma fala bem articulada, que misturava percepções íntimas, clichês e análises bem interessantes do disco. A meia de Ana era comprida, xadrez. Suas coxas eram, inegavelmente, um objeto de atenção.

A perícia que Antenor havia desenvolvido em todos esses anos de lide feminina constituía-se de saber dialogar com ela e com si mesmo independentemente. Com ela, dialogava, por exemplo, sobre tropicalismo, pintura ou cinema. Consigo mesmo, Antenor dialogava – com a razão – sobre os avanços e recuos táticos da dança do acasalamento da espécie humana. Uma abordagem prática, evidente. Enquanto fala com naturalidade sobre o que a presa quiser ouvir, o predador, em seu íntimo, articula sua abordagem, interpreta os indícios da fêmea, engendra as oportunidades do sexo: essas conclusões determinam, por conseqüência, o teor do diálogo com ela. Isso significa pensar com as duas cabeças simultaneamente, uma técnica preciosa.

Havia, aliás, outros membros na mesa – o que complicava a aproximação de Antenor – delirando sobre conspirações absurdas e indefiníveis. Mas o assunto de Antenor capturara Ana para uma conversa à parte, o que já se refletia na posição das cadeiras. Antenor estava bem ao canto da mesa, e Ana, durante o tempo em que permaneceram ali, executou um discreto e sutil giro sobre o próprio eixo de seu assento, colocando-se cada vez mais voltada para o tropicalismo e menos para a teoria da conspiração.

Algumas horas se passaram até que todos fossem embora. Antenor não deu sinais de se mover, mas, como esperava, seu objeto de desejo tomou a iniciativa de sair. Contudo, ele conseguiu um meio de encontrá-la no dia seguinte, graças a um disco que prometera lhe emprestar. Ele tecera infinitos elogios à obra durante a noite, sabendo que era aquele o tipo de sutileza que colocaria Ana de quatro em sua cama: “Transa”, do Caetano. Ele tinha consciência de todas as intenções e ambigüidades que se escondiam no cedê. E sabia que Ana compartilhava dessa consciência. Mas sabia também que era um disco genial, o que mais uma vez comprovava sua capacidade de pensar com as duas cabeças.

No dia seguinte, uma quinta-feira, Ana surgiu com uma beleza indiferente, como se nem sequer suspeitasse que estava deslumbrante. Usava uma saia jeans que reforçava o contorno das pernas. Provocante e singela. Suas coxas eram, inegavelmente, um objeto de atenção. Mal Antenor abriu a porta, Ana abriu um sorriso. E era um sorriso lindo, que contraía a bochecha e espichava os olhos, mas sem mostrar os dentes. Esses mesmos que, noite passada, teimaram em morder os lábios com uma delicadeza sensual. Ana entrou falando bastante.

Antenor, quando chegara levemente bêbado em casa na quarta-feira, só amaldiçoava as covardias da vida social. A ele nada parecia mais artificial que o fato de ele e Ana não estarem fodendo àquela hora, agarrados, suando e mordendo-se mutuamente. Refletia sobre as convenções da conquista amorosa, dos textos e pretextos de que duas pessoas precisam para dar vazão ao seu instinto, da liturgia estabelecida para o sexo. Bebeu mais. Revoltava-se contra o puritanismo falso, contra a condenação hipócrita, contra o recalque social: ocorriam-lhe à mente todas as meninas pelas quais havia feito absurdos pelo sexo durante a vida, todos os momentos patéticos em que os olhares freavam o impulso, a censura ridícula com que uma sociedade oprimia a libido. Todos os clichês do flerte – aquelas flores, jantares, poemas, cartas, conversas dissimuladas – lhe horrorizavam em sua artificialidade, em sua superficialidade de ritual programado, e contrastavam com a pureza da sedução natural dos corpos se enlaçando, com a liberdade do desejo autêntico, com o sussurro ao ouvido. Bateu uma punheta inconformada. E bebeu mais e mais. Pensava naquelas estúpidas meninas acalentando sonhos pudicos de encontros perfeitos, restaurantes, músicas, clima romântico, olhares, promessas mão na mão, cinema e pipocas. Recalque! Para elas o sexo é pudente, a penetração é uma intimidade vergonhosa, o desejo carnal é pecaminoso. Prendem-se num amor que é só aparência, porque foram adestradas a ser assim. Vendo os seios de Ana na noite anterior balançarem suavemente, Antenor sentia instigados seus mais viscerais estímulos, um calor lhe percorria a espinha e vivificava seus sentidos, aguçava sua percepção e lhe implorava por ação. Aquelas coxas lhe faziam sentir viril, homem. Celibato é suicídio, concluiu, já desfeito no sofá.

Abrira propositadamente a garrafa de seu vinho preferido nessa noite de masturbação alcoólica, de modo que ela ficara estrategicamente posicionada na mesa de centro, já quase pela metade, para evitar quaisquer constrangimentos. Ana não fez cerimônia e aceitou o vinho, enquanto olhava uns pôsteres na parede. Antenor já havia recuperado todo o equilíbrio emocional de que necessitava para arrebatar a moça, agora que a circunstância estava de fato a seu favor. Por tudo que lhe perturbara na noite anterior, Antenor abriu mão de seus estratagemas tradicionais – à exceção de seu vinho – e deixara que o momento naturalmente mostrasse seu charme. O charme e o romantismo esquematizados e preparados que lhe haviam garantido muitas trepadas sensacionais hoje não lhe convinham: não haveria Piaf nem Cartola, porque a ocasião era de Caetano; não haveria velas nem luzes indiretas, era fim de tarde e uma luz cálida e suave penetrava pelas janelas.

Antenor discretamente repousou a mão sobre as coxas que magneticamente lhe capturaram a atenção desde que conhecera Ana e sua comprida meia xadrez. Hoje, ela não usava meia xadrez, mas, como já disse, a saia jeans dava um destaque excepcional ao contorno das pernas. Uma carícia sutil com a ponta dos dedos. Ana olha-o com a cabeça baixa, levantando somente o olhar, de esguelha, configurando aquela expressão de mulher que sabe exatamente os dotes que possui e onde pretende chegar. Essa expressão totalmente feminina de provocação, que é completada por um esguio sorriso de meia boca só. Sem que se perceba, a mão desliza para baixo da saia jeans, movimentando-se lentamente, fazendo a menina agarrar-se ao pescoço de Antenor. Beijos lânguidos.

Caetano já está terminando sua performance, tocando a última canção. O corpo de Ana já está meio deitado sobre o sofá e Antenor persiste com a mão sob sua saia, massageando-a, fazendo a menina movimentar involuntariamente até o peito do pé. Ela mantém uma mão agarrando firmemente a cabeça de Antenor junto a sua, com sua respiração penetrando alterada e ofegante em seus ouvidos, em espasmos e gemidos; com a outra mão, Ana segura e arranha as costas do anfitrião.

Quando a “Transa” de Caetano acabou, a de Antenor e Ana mal havia começado. Por uma ironia do acaso, o aparelho de som começou a tocar o próximo cedê, Edith Piaf, que Antenor comummente utilizava para seduzir as damas em seu apartamento. O imprevisto arrancou um riso rápido dele, mas logo confundido com suas expirações sonoras de tesão. A saia jeans já estava atirada no chão quando Ana, entremeando palavras em seus gemidos de prazer, exclamou:

- Eu amo... a Edith... Piaf!

Antenor executava um movimento circular com a ponta dos cinco dedos, acariciando a vagina jovem e úmida da moça. Era de fato uma boceta linda, com lábios rosa claro e pêlos pubianos bem aparados. A mão esquerda de Ana parecia uma guilhotina incessante, movimentando-se para cima e para baixo no pênis rijo do anfitrião, que por sua vez, com a outra mão, afagava o seio esquerdo que tanto admirara no bar na noite anterior. Os seios não deixavam nada a desejar do que haviam prometido sob a blusa branca fininha. Eram firmes, com mamilos claros e pequenos, e grandes – grandes que preenchiam perfeitamente o apalpar da mão ávida de Antenor, que agora passeava livremente do esquerdo para o direito.

Enfim, Antenor se apoiou melhor no sofá, ostentando seu membro ereto e úmido apontado para Ana e penetrou-a. Lentamente. Profundamente. Um gritinho de gozo saiu naturalmente da boca da menina, que pendeu a cabeça para trás – como que voltada aos céus – e fechou os olhos. Um prolongado “ah” emitiu-se da boca de Antenor, como que num alívio.

Antenor iniciou um movimento pendular com os quadris, sentindo sua presa ali, submetida, tomada, passiva e vulnerável. Ana estava com as costas recostadas num dos cantos do sofá, a cabeça ainda atirada frouxa para trás e as pernas abertas. Antenor cobria-a com o corpo, arrancando-lhe espasmos de euforia, que, nesses momentos, apertava-o com uma força bruta, cravando-lhe as unhas nas costas. Ele mantinha a situação em gradual progressão, conduzindo a menina a um prazer constante e ascendente, abandonando a pressão do tempo. Fodiam incessantemente.

De súbito, veio à mente de Antenor a figura severa e circunspeta de Marluce, como que numa brincadeira de seu inconsciente. Marluce era a coordenadora disciplinar de seu respeitado colégio religioso – uma odiosa lembrança de sua puberdade –, com seus trejeitos frenéticos e sua voz irritante. A Sra. Marluce era uma velha rabugenta, cuja função no colégio era reprimir a sexualidade florescente daqueles jovens, dentre os quais o extrovertido Sr. Cohen. Sra. Marluce não permitia que as meninas usassem saia acima do joelho. Qualquer comportamento indecoroso era punido. Decotes eram crimes. Deslizes verbais eram tratados como atentados ao pudor. Ana certamente seria uma puta escrota se caísse no julgamento da Sra. Marluce Freitas – que, por sinal, era freqüentemente homenageada nas comemorações do colégio pela retidão e moralidade de seus trabalho e conduta. Aquela puta!

Pensava em Marluce enquanto fodia porque queria vê-la ali, agora, materializada instantaneamente para assistir ao sexo, à crueza real do desejo, à quintessência do amor real. Queria-a ali para que visse o menino estudioso agarrado às coxas perfeitas de Ana, penetrando-a, gemendo e arrancando gemidos lânguidos. Queria esfregar na cara dela que sua disciplina casta fora vencida pela força natural do prazer, da tentação, do instinto. Que o ímpeto humano triunfara sobre o adestramento moral da coordenadora. Antenor regozijava imaginando a expressão de assombro e repúdio de Marluce, parada ali, horrorizada.

Marluce era, para ele, o ícone caricato dos “bons costumes”, caricatura essa que o tempo ajudou a sacramentar. As coisas flexíveis, sob pressão, dobram-se e adaptam-se. As coisas rígidas, quebram-se. Foi esse o efeito da educação de Marluce Freitas sobre Antenor Cohen. Quebrou-se e transformou-se em sua antípoda. E ali estava ele, fodendo Ana com prazer e debochando maravilhosamente de Marluce. Cada vez mais rápido. O sangue pulsando com violência e ribombando no peito. A respiração ficando cada vez mais audível e ofegante. O movimento de quadris cada vez mais firme e veloz. Os gemidos progressivamente altos de Ana estimulavam Antenor, que se tornava mais incisivo na penetração, fazendo Ana gemer mais e mais. Um ciclo de mútuo estímulo. Até que todo o sangue subiu para a cabeça de Antenor, que, em êxtase, soltou um longo e profundo gemido de prazer, apertando Ana contra si. Ana, tendo seu corpo retesado, deu seu último espasmo, relaxando-se completamente no encosto, frouxa e deliciada. Antenor logo largou molemente o torso sobre Ana, pleno. O gozo. Antenor Cohen gozava totalmente. Ana e Marluce. O orgasmo com as duas cabeças. Riu-se. Naquela hora, imaginava Marluce retirando-se revoltada do recinto.

1 comentário:

Teo disse...

Faltam os merecidos créditos do autor da foto do guri na rede.
Abraços Pedrão!
Teo