segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Sobre a Poesia

um não-poema.



Quando me falam de versos livres
Eu penso
Ora,
Que bobagem
Todos os versos estão presos
Nas palavras.

Sobre os álbuns de figurinha

Memória sobre os álbuns de figurinha de futebol, uma compulsão doentia de 148,65% dos jovens do sexo masculino antes da puberdade.


No meu primeiro álbum, as figurinhas não eram auto-colantes. Além disso, ele contava com presenças ilustres como Gheorghe Hagi, Valderrama e Roger Milla. Falo isso com alguma soberba, como quem suspira: “já sujei minha mão de cola Tenaz com o Maradona, não sou um principiante”. Tive uma carreira breve – de 94 a 98 –, mas que me rendeu um título mundial e dois campeonatos brasileiros. Mais do que isso, os álbuns me deram alguma perspectiva de realização pessoal naquelas séries escolares tão monótonas entre a alfabetização e o vestibular.

Comecei em 1994, com a Copa do Mundo dos EUA. Ali eu ainda era café-com-leite e juntava as figurinhas com meu irmão, que vinha de uma fracassada temporada no futebol europeu, com os álbuns incompletos dos campeonatos italianos de 92 e 93. Não completamos a Copa de 94, e claro que havia um problema etário: ele, muito velho para aquilo, não tinha muito interesse; eu, muito jovem, não tinha muita experiência.

Com essa derrota no currículo e um pouco mais de traquejo, comecei minha carreira solo em 1996 com o campeonato brasileiro. Completaria a coleção e o Grêmio seria campeão, o que vale uma dupla vitória (em 1994, o título mais importante eu perdera). A última figurinha faltante - o Paulo da Pinta, um centro-médio medíocre do Criciúma – seria como o gol do Aílton aos 38 minutos do segundo tempo no Olímpico. O gol da vitória. Ainda me lembro do ritual meticuloso de descolagem do adesivo do papel-suporte, o enquadramento da figurinha ao box “Paulo da Pinta”, e a pressão suave e deslizante para a colagem. Por fim, os dedos médio e indicador fazem juntos um vai-e-vem sobre o precioso auto-colante para assegurar que não ficariam bolhas ou marcas de ar na última figurinha do álbum. E, claro, a ansiosidade de chegar no dia seguinte à escola, com o álbum completo debaixo do braço e um sorriso aberto de orelha a orelha.

Eu completaria também o Brasileirão de 1997, mas o Grêmio infelizmente não acompanharia meu bicampeonato. Evidentemente, nunca recorri ao procedimento torpe de enviar cartas para a editora, solicitando os “cromos” faltantes – esse era o expediente mais desonroso para um colecionador de figurinhas que se preze. Era como ir chorar na saia da mamãe. Ora, figurinha não se recebe pelo correio. Figurinha só sai da banca, do bafo e da troca.

Não posso negar que aqueles anos escolares entregues à Panini legaram algum conhecimento para a vida. Como me esquecerei, por exemplo, da dupla de ataque “Oséas-Paulo Rink” no Atlético-PR, ou da igualmente lendária Dinei-Aílton no Guarani de 96? Ou então do Galeano no meio de campo do Palmeiras, que acabou virando um sinônimo do trabalho de formiguinha daquele volante marcador, suado e violento. Qualquer boleiro (ou botequeiro) sabe que atrás de todo Djalminha tem que ter um Galeano, atrás de qualquer Mazinho Loyola tem que ter um Djair para dar a cobertura. Sem malícia, claro.

Eu acho que existem três motivos para que as coleções de figurinhas sejam um prática divertida e, às vezes, obsessiva. O primeiro é jogar bafo. Que não é só bater as figurinhas. Tem a galera olhando, a assoprada na mão, o atraso para a aula. E a figurinha apostada faz toda a diferença: “se tu colocar o mascote do Bahia eu boto cinco”, e coisas do gênero. O segundo motivo é a troca de figurinhas. Cria-se um mercado paralelo de figurinhas repetidas, com seus respectivos valores de troca. Distintivos e mascotes são raros; buchas-de-canhão para jogar bafo não valem nada.
O terceiro motivo é a compra de pacotinhos na banca. Além da expectativa e da surpresa, esse momento geralmente envolve um pouco de transgressão: desviar o troco do pão, trocar a merenda por uns pacotinhos, etc. São todos sacrifícios válidos – e necessários – para o colecionador de figurinhas bem-sucedido.

Por esses três momentos, os álbuns de futebol acabam sendo uma etapa crucial da formação pessoal do jovem: será através deles o primeiro contato com os jogos de azar, com o comércio informal e com o consumismo desenfreado (com um toque de desonestidade) – três coisas que a maioria deles levará consigo para o resto da vida.

Fazendo Arte

Não quero que a arte se chame de arte. Não quero que a arte seja arte porque é erudita, ou porque está nos livros, ou nos museus ou nas galerias. Não quero que a arte seja artística porque é famosa ou porque tem um autor para assiná-la, não, não quero. Quero poder olhar, sentir, cheirar, escutar e ler quaisquer coisas, para então poder dizer a mim mesmo: “isso é arte!”

Rock é Subversão

Ana is a punk rocker / Ana is a punk rocker / Ana is a punk rocker / Ana is a punk rocker yeah!

Joey Ramone / Pedro




Pode-se falar de conflito geracional antes e depois dos anos 1960, mas não dá para passar indiscriminadamente pela geração que deu substância a esse conflito. É até difícil falar de “geração” antes da década de 1960, se entendermos que a palavra nos diz algo mais do que um grupo de pessoas que nasceram cronologicamente próximas. O conflito ideológico e comportamental daqueles jovens com seus pais, com seus professores e com seus políticos foi o que nos abriu os olhos para a possibilidade de que gerações possam de fato ser incompatíveis e incomunicáveis, e de que essa tensão possa ser explosiva. Aquela convicção tão veemente numa idéia de mundo, com uma certeza tão clara na radicalidade e na urgência da mudança, não conseguia conceber a necessidade dos hábitos, o peso do passado, o assim-porque-sempre-foi, a perversidade do status quo. Era o momento do ímpeto, de fazer a hora – e não esperar acontecer.
Por mais que os Monkees já houvessem dito que “we’re the young generation and we have something to say” (nós somos a nova geração e temos algo a dizer), não foi nessa fonte que os anos 60 beberam sua rebeldia. Até porque os Monkees não tinham muito mais a dizer. Um pouco mais de sentido fazia quando Roger Daltrey, cantando “My Generation”, berrava “why don’t you all fade away? and stop trying to dig what we all say” (porque vocês todos não desaparecem? e parem de tentar entender o que dizemos), arrebentando os microfones, amplificadores, instrumentos e tímpanos. E Keith Moon – além de quebrar a bateria a cada performance do Who – acabou por levar a cabo o espírito de auto-destruição daqueles berros e se matou engasgado com seu vômito. Ora, a geração do Who, segundo eles, “preferia morrer a ficar velho”: uma máxima para todos aqueles que não confiam em ninguém com mais de trinta anos.
Mas o conflito geracional não é só estardalhaço, longe disso. Musicalmente, seu ápice foi “she’s leaving home” dos Beatles, lançado em Junho de 1967, no Sgt. Pepper’s. Por quê? Pois ali está toda a complexidade de uma geração incompreendida. Ou melhor, compreendida somente por si própria. Não com o espalhafato da auto-afirmação, mas com o doce drama da incomunicabilidade entre pais e filhos. Com a ruptura traumática de uma filha triste, que se liberta não só do ambiente repressor de uma família tradicional, mas também de toda a cultura machista, materialista, religiosa, alienada, etnocêntrica e conservadora dos “anos de ouro” do capitalismo. Não havia possibilidade de diálogo. Os pais – que viveram os difíceis anos 1930, a guerra e que tinham “struggled hard all our lives to get by” – não falavam a mesma língua da menina – para quem “fun is the only thing money can’t buy”. E ela abandona seus pais, com convicção mas não sem alguma melancolia. É uma decisão trágica e traumática, mas absolutamente incontornável: ela opta por uma vida livre, por fugir com um homem para viver o que o mundo – e não seu pai – pode lhe permitir. Curiosamente, Hendrix – em “waiting until tomorrow”, do mesmo ano – nos colocaria do outro lado da história: sendo o homem que planeja a fuga junto com sua amada, acabaríamos por tomar um tiro na testa.
Um tanto profeticamente, os Stones advertiriam no final da década (1969) que “you can’t always get what you want” (você não pode sempre ter o que quer). Um truísmo um pouco bobo, se não estivesse voltado, como estava, para uma geração onipotente, ilimitada, insaciável. Essa geração para a qual “ceder um pouco já é capitular muito”, como diziam os muros parisienses em 1968. Os Stones sabiam, afinal, que não é só de voluntarismo que se fazem as coisas, não é só de mau-humor que se fazem vanguardas, não é só de barricadas que se fazem revoluções, não só é de guitarristas que se fazem bandas de rock, não é só de sonhos que se faz a realidade e não é só de uma geração que se faz a História. Todo ímpeto deixa sua marca, mas nunca dura para sempre. Nenhum jovem envelhece jovem. Nenhuma ereção é interminável.
Conforme as idéias vão decantando, temos que ouvir o sarcasmo ácido do realismo. Só nos anos 1970, então, que Belchior irá cantar para àquela juventude que “ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”, isto é, que o tempo fora mais cruel que os gendarmes.

Memorando Sexo

sobre a burocracia do desejo


Não me fale das tabelas, dos números e das frases com nexo
Eu quero o sexo
E longe de mim o método, a lógica, a luz e a ordem,
Se teus lábios mordem,
Não me lembro de deus, do país, da nação,
Se metes a mão,
Ao inferno com o sério.

Para que ler tanto, tanto, tanto e fechar o semblante,
Sem ter uma amante?
Os carimbos nas folhas, o bom-dia senhor,
Sem prazer ou pavor,
Apertado no ônibus, no sentido centro,
Te quero por dentro
A dizer impropério

Sem agenda nem terno, não quero uma hora, no dia, no mês
Quero a tua nudez,
Quero agir pelo instinto violento e amigo,
Descer pelo umbigo,
Sem registrar no relatório do dia
Que o meu corpo se enfia
A descobrir teu mistério

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Sexta-Feira 13

Eu sou um pouco de vazio, aquele vazio que dá em fim de namoro, em volta de viagem, em fim de sobremesa, o vazio do copo. Sou também a metade que não tem idade, que vai contra a gravidade, que faz da mediocridade uma razão de revolta e das palavras a mão que solta os cachorros na cidade. Sou também o compromisso em gritar que não tenho nada com isso. Sou urbano, desequilibrado, carente e pessimista. Sou internacionalista, gremista e socialista. Na verdade, sou constantemente a incógnita do verbo ser, mesmo que não sendo nada eu tenho sido o que eu não era, e falando frases legais com esse verbo eu me satisfaça. Aliás, eu não acho que trocar o verbo ser pelo ter seja um sinal de pauperização da vida, afinal, pode-se ter ideais, ter amores, ter ciúmes, ter amigos, ter ideologias, ter idéias, ter sonhos, ter saudades. A verdade é que o verbo ser é individualista pra cacete. Sinal de pauperização espiritual é achar que o verbo ter se restringe ao carro, ao brinco, ao sapato. Sou curioso. Tenho curiosidade. Curioso-me.

Sou o poema que ficou pela metade, a gota de café que caiu na partitura, a idéia que ficou por escrever e o dueto que não se tem com quem cantar. Sou o resto de bebida que ficou no copo depois que a embriaguez já levou ao sono, sou metade o sono e metade o copo. Queria ser o plano que o bêbado arquiteta no auge da inconsequência, mas sou apenas o copo de onde ele tira todos os planos mas em que ele não presta a menor atenção, e que usa e usa sem dar valor algum. Sou a inspiração que foi vencida pela preguiça. Sou a ambição que sucumbiu ao trabalho. Sou a espuma de sabão que sobrou no fundo do copo e que fode a cerveja. Sou o sorvete que virou feijão.

Tenho a agonia da ignorância, porque gostaria de saber muitas coisas que sei que nunca vou saber, muitas coisas que batem na porta da minha cabeça e eu digo que estou ocupado, para depois ficar com remorso de buscá-las em vão. Pratico o exercício ostensivo da interrogação, sem nenhum objetivo claro. Tenho também a despreocupação da insignificância, porque não tenho a pretensão de conquistar ou de vencer na vida, primeiro, pois a vida não é uma competição e, segundo, porque me ofereço coisas muito mais positivas abdicando da vitória. Tenho a maiêutica de ficar odara.

Talvez eu não seja a pessoa mais indicada para escrever sobre mim, mas ninguém mais se candidatou. Aprimorei uma curiosidade inconformada que me ensina bastante sobre vários assuntos e me traz uma frustração renitente com cada estrela interessante que nunca vou tocar, com todo o mar de ignorância em que, quanto mais eu nado, mais vejo o infinito. A resposta para quem sou eu talvez esteja em algum lugar desse infinito.