sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Sexta-Feira 13

Eu sou um pouco de vazio, aquele vazio que dá em fim de namoro, em volta de viagem, em fim de sobremesa, o vazio do copo. Sou também a metade que não tem idade, que vai contra a gravidade, que faz da mediocridade uma razão de revolta e das palavras a mão que solta os cachorros na cidade. Sou também o compromisso em gritar que não tenho nada com isso. Sou urbano, desequilibrado, carente e pessimista. Sou internacionalista, gremista e socialista. Na verdade, sou constantemente a incógnita do verbo ser, mesmo que não sendo nada eu tenho sido o que eu não era, e falando frases legais com esse verbo eu me satisfaça. Aliás, eu não acho que trocar o verbo ser pelo ter seja um sinal de pauperização da vida, afinal, pode-se ter ideais, ter amores, ter ciúmes, ter amigos, ter ideologias, ter idéias, ter sonhos, ter saudades. A verdade é que o verbo ser é individualista pra cacete. Sinal de pauperização espiritual é achar que o verbo ter se restringe ao carro, ao brinco, ao sapato. Sou curioso. Tenho curiosidade. Curioso-me.

Sou o poema que ficou pela metade, a gota de café que caiu na partitura, a idéia que ficou por escrever e o dueto que não se tem com quem cantar. Sou o resto de bebida que ficou no copo depois que a embriaguez já levou ao sono, sou metade o sono e metade o copo. Queria ser o plano que o bêbado arquiteta no auge da inconsequência, mas sou apenas o copo de onde ele tira todos os planos mas em que ele não presta a menor atenção, e que usa e usa sem dar valor algum. Sou a inspiração que foi vencida pela preguiça. Sou a ambição que sucumbiu ao trabalho. Sou a espuma de sabão que sobrou no fundo do copo e que fode a cerveja. Sou o sorvete que virou feijão.

Tenho a agonia da ignorância, porque gostaria de saber muitas coisas que sei que nunca vou saber, muitas coisas que batem na porta da minha cabeça e eu digo que estou ocupado, para depois ficar com remorso de buscá-las em vão. Pratico o exercício ostensivo da interrogação, sem nenhum objetivo claro. Tenho também a despreocupação da insignificância, porque não tenho a pretensão de conquistar ou de vencer na vida, primeiro, pois a vida não é uma competição e, segundo, porque me ofereço coisas muito mais positivas abdicando da vitória. Tenho a maiêutica de ficar odara.

Talvez eu não seja a pessoa mais indicada para escrever sobre mim, mas ninguém mais se candidatou. Aprimorei uma curiosidade inconformada que me ensina bastante sobre vários assuntos e me traz uma frustração renitente com cada estrela interessante que nunca vou tocar, com todo o mar de ignorância em que, quanto mais eu nado, mais vejo o infinito. A resposta para quem sou eu talvez esteja em algum lugar desse infinito.

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